segunda-feira, 28 de março de 2011

De frente pro crime

João Bosco

Tá lá o corpo estendido no chão/
Em vez de um rosto uma foto de um gol/
Em vez de reza uma praga de alguém/
E um silêncio servindo de amém /
O bar mais perto depressa lotou/
Malandro junto com trabalhador/
Um homem subiu na mesa do bar/
E fez discurso para vereador/
Veio camelô vender anel, cordão perfume barato/
E baiana pra fazer pastel e um bom churrasco de gato/
Quatro horas da manhã baixou o santo na porta bandeira/
E a moçada resolveu parar e então...
Tá lá o corpo estendido no chão/
Em vez de rosto uma foto de um gol/
Em vez de reza uma praga de alguém/
E um silêncio servindo de amém
Sem pressa foi cada um pro seu lado/
Pensando numa mulher ou num time/
Olhei o corpo no chão e fechei/
Minha janela de frente pro crime/
Veio camelô vender anel, cordão perfume barato/
E baiana pra fazer pastel e um bom churrasco de gato/
Quatro horas da manhã baixou o santo na porta-bandeira/
E a moçada resolveu parar e então...
Tá lá o corpo estendido no chão

Estudo do conto "Uma vela para Dario" Dalton Trevisan

Esta semana na turma do 6º começaremos um estudo sobre conto. Mas o que se pretende com isso?
O que o aluno poderá aprender com esta aula?

1- analisar aspectos estruturais do conto lido: foco na ação narrativa; linguagem; presença de personagens, tempo etc.
2 - relacionar o conto "Uma vela para Dario" Dalton Trevisan com a música "De frente pro crime" de João Bosco
3 -  refletir sobre o tema da violência na narrativa contemporânea.
4 - Produzir um conto.

Uma Vela para Dario
Dalton Trevisan

            Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo e, assim que dobrou a esquina, diminuiu o passo até parar, encostando-se à parede de uma casa. Por ela escorregando, sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva, e descansou na pedra o cachimbo.
            Dois ou três passantes rodearam-no e indagaram se não se sentia bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios, não se ouviu resposta. O senhor gordo, de branco, sugeriu que devia sofrer de ataque.
            Ele reclinou-se mais um pouco, estendido agora na calçada, e o cachimbo tinha apagado. O rapaz de bigode pediu aos outros que se afastassem e o deixassem respirar. Abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe retiraram os sapatos, Dario roncou feio e bolhas de espuma surgiram no canto da boca.
            Cada pessoa que chegava erguia-se na ponta dos pés, embora não o pudesse ver. Os moradores da rua conversavam de uma porta à outra, as crianças foram despertadas e de pijama acudiram à janela. O senhor gordo repetia que Dario sentara-se na calçada, soprando ainda a fumaça do cachimbo e encostando o guarda-chuva na parede. Mas não se via guarda-chuva ou cachimbo ao seu lado.
            A velhinha de cabeça grisalha gritou que ele estava morrendo. Um grupo o arrastou para o táxi da esquina. Já no carro a metade do corpo, protestou o motorista: quem pagaria a corrida? Concordaram chamar a ambulância. Dario conduzido de volta e recostado á parede - não tinha os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.
            Alguém informou da farmácia na outra rua. Não carregaram Dario além da esquina; a farmácia no fim do quarteirão e, além do mais, muito pesado. Foi largado na porta de uma peixaria. Enxame de moscas lhe cobriu o rosto, sem que fizesse um gesto para espantá-las.
Ocupado o café próximo pelas pessoas que vieram apreciar o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozavam as delicias da noite. Dario ficou torto como o deixaram, no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso.
            Um terceiro sugeriu que lhe examinassem os papéis, retirados - com vários objetos - de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficaram sabendo do nome, idade; sinal de nascença. O endereço na carteira era de outra cidade.
            Registrou-se correria de mais de duzentos curiosos que, a essa hora, ocupavam toda a rua e as calçadas: era a polícia. O carro negro investiu a multidão. Várias pessoas tropeçaram no corpo de Dario, que foi pisoteado dezessete vezes.
            O guarda aproximou-se do cadáver e não pôde identificá-lo — os bolsos vazios. Restava a aliança de ouro na mão esquerda, que ele próprio quando vivo - só podia destacar umedecida com sabonete. Ficou decidido que o caso era com o rabecão.
            A última boca repetiu — Ele morreu, ele morreu. A gente começou a se dispersar. Dario levara duas horas para morrer, ninguém acreditou que estivesse no fim. Agora, aos que podiam vê-lo, tinha todo o ar de um defunto.
            Um senhor piedoso despiu o paletó de Dario para lhe sustentar a cabeça. Cruzou as suas mãos no peito. Não pôde fechar os olhos nem a boca, onde a espuma tinha desaparecido. Apenas um homem morto e a multidão se espalhou, as mesas do café ficaram vazias. Na janela alguns moradores com almofadas para descansar os cotovelos.
            Um menino de cor e descalço veio com uma vela, que acendeu ao lado do cadáver. Parecia morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.
            Fecharam-se uma a uma as janelas e, três horas depois, lá estava Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó, e o dedo sem a aliança. A vela tinha queimado até a metade e apagou-se às primeiras gotas da chuva, que voltava a cair.

Texto extraído do livro "Vinte Contos Menores",  Editora Record – Rio de Janeiro, 1979, pág. 20.
Este texto faz parte dos 100 melhores contos brasileiros do século, seleção de Ítalo Moriconi para a Editora Objetiva.

sábado, 12 de março de 2011

Sociedade, cultura, língua

Sociedade, cultura, língua

Quando você conversa com pessoas bem mais velhas, percebe que elas têm um modo de pensar diferente do seu, não é? O mesmo acontece quando você tem informações sobre como vivem pessoas que nasceram e moram em países distantes, com costumes diversos dos nossos. Essas diferenças dependem da cultura, isto é, o conjunto de formas de dizer, pensar e sentir de uma pessoa ou de uma sociedade. Guarde duas idéias importantes:

1. A cultura muda no decorrer do tempo e depende do lugar: é uma construção social e histórica;

2. A língua é um dos elementos que expressam fortemente a cultura e que contribuem para transformá-la.
Portanto, sociedade, cultura e língua interferem continuamente uma na outra. Você vai ler um texto, publicado pouco antes do novo Código Civil, que é um exemplo do que afirmamos.

Sabe o que é o Código Civil? É um conjunto de leis que se referem às pessoas e às atividades essenciais que fazem parte da sociedade humana. O Código Civil inclui todas as normas consagradas ao longo do tempo, podendo, no entanto, modificá-las para se adequarem à mudança dos costumes e às necessidades sociais. O Código Civil seria uma espécie de “Constituição do Homem Comum”.

Agora, leia o texto.

            O Código Civil de 1916, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1917, privilegiou claramente o masculino, como era uso ao seu tempo. O pai era o chefe da sociedade conjugal, a mulher casada era relativamente incapaz, a gerência e a administração dos bens eram do marido e havia longuíssima enumeração dos requisitos do dote, constituído pela noiva, por seus pais ou por estranhos, a ser administrado exclusivamente pelo marido. O dote poderia compreender todos os bens da noiva na data do casamento e os que ela, no futuro, viesse a adquirir. (...)
            Algumas discriminações foram desaparecendo ao longo do tempo, como aconteceu com a chefia absoluta da sociedade conjugal, extinta em 1962. As discriminações sociais resistiram muito para desaparecer. A mulher preferia suportar os defeitos do esposo a deixá-lo, pois era ela quem quase sempre pagava pelo peso social de ser, como se dizia, “largada do marido”.
            O preconceito, porém, não terminava aí. A palavra homem foi tomada na lei brasileira durante grande parte do século XX como significando a pessoa titular de direitos, enfim, o ser humano. A rigor, continuará a existir até o fim deste ano, quando terminará a vigência do código de 1916, cujo artigo 2º diz: “Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil.” (...)
            As mudanças que começarão a viger em 1º de janeiro próximo eliminaram expressões impróprias e discriminadoras. Assim, o artigo 1º passará a dizer que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. O critério para a capacidade civil é o mesmo para homens e mulheres.(...) O novo artigo 1565 dirá tudo a respeito da igualdade no casamento. O homem e a mulher serão “consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família”. Nem mesmo substituirá a tradicionalíssima imposição de a mulher adotar o nome de família do marido ou, no máximo, manter o nome de solteira. A contar do ano que vem, qualquer dos noivos, querendo, poderá acrescer o sobrenome do outro ao seu. Seja o dele, seja o dela. (...)
  
 Ceneviva, Walter. “Código Civil amenizará diferenças de sexo”.
Folha de S. Paulo, Cad. Cotidiano, seção Letras Jurídicas, 17/08/2002, p. 2.



A partir do texto acima, das discussões em sala de aula, foi pedido uma produção textual.

Segue então algumas das produções, sabendo que estas depois de lidas pelos alunos, estarão sujeitas a algumas mudanças e uma reescrita. Então meninos e meninas mãos à obra.